domingo, 29 de abril de 2012

Relógio

(Continuação de Estação de Trem)

Aquele homem era incomum. Trazia consigo uma pressa intrigante, poucos tinham aquela espécie de brilho. O homem olhava incessantemente para o relógio perfeitamente polido: o dourado lhe agradava os olhos. O narcisismo profissional que aquele homem emanava era capaz de incomodar; preocupava-lhe o tempo, não o porquê, mas a matemática: quanto tempo ainda há, quanto tempo já passou? Ajeitava o terno compulsivamente como forma de saciar a inquietude. Aquele homem era o que ele possuía. Ele era o seu relógio, o seu terno risca de giz, sua calça feita sob medida: ele vestia o que ele era.

Porque?

Quem passava ao seu redor olhava curioso enquanto o sol tímido iluminava o pavimento em tom-pastel da estação. Seus sapatos refletiam o mundo de maneira que quem passava ao redor do homem temia chegar perto demais para não sujar. Alguns olhavam com certa admiração o seu Messias contemporâneo atender o celular e cuspir palavras ásperas ao vento. Naquela estação, naquele momento, ele era (para si) um deus. Ele era o exemplo, o objetivo. Era tão admirado que chegava a ser temido.

Respeito. Pelo que? Pelo homem ou pela imagem? Respeito por seu semelhante ou superior?
Quem era ele e porque ele era melhor que eu? Quem disse que ele era? Quem disse? De qualquer forma, quem ao redor estava parecia achar isso.
Convicto de si mesmo o homem era. Tão convicto como jamais vira antes. Ele sabia o que queria, ele sabia quem ele era, ele sabia o que estava fazendo - sem dúvidas. Ele parecia tão seguro de si que ninguém era capaz de abala-lo, por nada nesse mundo, por ninguém nesse mundo.

E quem ele tinha além de si?

O que ele via que não fosse baseado nele mesmo?